terça-feira, 2 de julho de 2013

Curto Conto de uma Vida Grandemente Desperdiçada




Do lado de fora da janela chovia. Não uma chuvinha fina. Chuva grossa. Pesada. Daquelas que te fazem não ter vontade de sair da cama. Mas essa não era sua realidade. Não era um direito seu. Pra quem tem que trocar oito horas diárias por dinheiro, esse escambo capitalista, aproveitar a cama, a não ser nas férias ou na convalescença, é algo proibido. Teve que levantar cedo, após a segunda chamada do despertador, e tomar uma ducha fria, apesar do fraco inverno, para ver se acordava. Tateava os móveis, ofuscada que estava sua pupila, a acomodar-se com a luz ambiente que crescia ao alvorecer que lentamente surgia. Foi a cozinha, pegou um copo d’água. Estava com muita sede. Lembrou dos remédios. Mais um copo d’água. Como era vagaroso de manhã! “Um copo de café”, clamavam seus neurônios, para que pudessem funcionar a contento. Realmente, sem estímulo, acordar parecia um martírio. Não fosse ter deixado as roupas separadas, acrescentaria mais meia hora, quarenta minutos, só no tira-e-põe de camisas, todas bonitas, mas não ‘adequadas’ para seu humor do dia. Volta a cozinha. Põe o café e a água na cafeteira, para que ela trabalhe em paralelo aos seus preparativos para a saída. Lava a pouca louça do jantar. Põe-na para escorrer. Remove o excesso de água sobre a bancada da pia. “Tenho que consertar este vazamento do bebedouro”, pensa brevemente, até ter sua atenção desviada para as plantas. “Nossa! Não molhei as plantas! Já estão todas mortas!”. E corre para pegar uma panela qualquer, enche-a na pia, e sai a molhar os vasos. “Cuidado pra não molhar demais as violetas, senão elas vão melar”, sussurra sua mãe em sua mente. E mesmo assim as acaba molhando em demasia. Olha-as fixamente por alguns instantes. Parecem eternos instantes! Lembra do conselho da mãe, da imagem das violetas quase sem vida, em cores opacas, a terra escura, entre as folhas maltratadas, denuncia que as molhou demais. “Não levo jeito para estas coisas”, vaticina. E olha no relógio. “Meu Deus! Como consegui perder tanto tempo?”. Sai correndo para arrumar a mochila. Recolhe tudo o que vai precisar, ou não, pelo caminho, e atira em seu interior. “Por isso suas mochilas não duram! Quer levar a casa nas costas, como um caramujo!”, briga consigo enquanto, desarvoradamente, tenta se lembrar de algo que ainda precisa fazer antes de sair. “Pense, pense, pense! Depois que deixar a portaria e pegar o ônibus, já era!”, tortura-se sadicamente, fazendo com que tão mais distante fique sua mente da objetividade necessária ao momento: lembrar o que precisa ser feito antes de sair de casa. “Pense, pense, pense!”. E olha novamente o relógio. “Ai, vou ficar um tempão no ponto! A esta hora, o trânsito já está parado e terei que pegar qualquer um que passe! Provavelmente ficarei de pé! Já vou chegar no trabalho cansado!”. Pega correndo as chaves. Elas tilintam freneticamente no caminho entre o aparador e a fechadura. Não mais que 30 centímetros. Gira a chave. Duas voltas rangidas e a porta se abre. O corredor acende-se automaticamente. Corre para o elevador. “Como demora! No mínimo um irresponsável chamou o social e o de serviço ao mesmo tempo!”. Inconscientemente, traveste-se de ‘irresponsável’ e chama os dois elevadores! Não percebe que transformou sua vida em uma rotina mecânica e degradante! É incapaz de ver o belo e chuvoso alvorecer de sua varanda, de consertar o bebedouro, de regar direito as plantas. Parece uma máquina ensandecida! Um monte de engrenagens, apenas. Incapazes de sensibilizar-se, um dia de cada vez, tão preocupado que está, de ser um nada!

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