Brincando de contador de estórias:
A Fábula da Degradação Humana
Sentado a beira da estrada, em
meio ao cenário estéril do deserto nuclear, estava o Diabo, a esperar qualquer
alma penada que, não levada pelas agruras do holocausto bélico, vender-se-ia
por migalhas quaisquer. Num mundo pós-apocalíptico, onde vivos não se
diferenciam tanto cadáveres, não cabia ao Maligno seleções extremamente
rigorosas daqueles potenciais alvos de sua cobiça infinita. Passado longo tempo humano, mais de horas ou
dias, o Diabo avista um corrompível em potencial. Diga-se de passagem, em tão
deplorável estado que, mesmo diante de tamanha perversão que o caracteriza, o
Diabo apiedou-se dele, por breve momento. Entretanto, recobrando sua lembrança
malévola, o Maligno voltou a seu plano sinistro inicial: ceifar mais um espírito
para suas hostes infernais, já abarrotada dos perdidos levados pela aguda
guerra, antes de poderem arrepender-se de seus malfeitos em vida.
Vendo que sua vítima aproximava-se
vagarosamente, o Diabo divagou sobre que forma tomar para, com beleza ou importância,
seduzir o incauto andarilho. Pensou-se flor, mas, se o sofrimento houvesse
endurecido o coração do desafortunado, de nada adiantaria. Imaginou-se, então,
como bela senhora, mas, e se o andarilho não apreciasse tal complemento? Após
divagar mais um pouquinho, o Diabo regozijou-se daquele que seria seu plano ideal:
trajar-se-ia de fonte cristalina, reluzente ao sol escaldante, a cantar para o
coitado, enfeitiçando-o a atirar-se em seu resplandecente espelho. Neste
momento crucial, desfazer-se-ia, mostrando-se tal como é: o Maligno corrompedor
de almas. Acreditando na secura em que se encontravam as entranhas de seu
objeto de cobiça, não seria fácil trocar uma gota d’água por um espírito
cansado e incapaz de contesta-lo. E assim o fez! Em bela e resplandecente poça
se fez. Ao longe, nem precisaria transformar-se em lago ou fonte, tamanha,
imaginava, ser a agrura de seu alvo.
Contudo, o andarilho não se
aproximava. Na verdade, parecia manter-se estático, após mostrar sua silhueta
no horizonte, com aparência bruxuleante ao sol do meio-dia, escaldante, a
evaporar os poucos líquidos do solo, ainda resquícios de chuvas que não mais
caiam naquelas paradas.
E assim, o Diabo esperou, e
esperou, e esperou. Quando, até mesmo para sua paciência eterna, considerada a
métrica temporal dos seres humanos, ele se cansou! E se enfureceu! E resolveu
averiguar como alguém resistiria à visão tão paradisíaca. E, de poça, assumiu
sua forma sinistra, abriu suas asas de morcego e subiu. Em um rápido bater de
asas, chegou ao local onde se encontrava o caminhante. E, ao deparar-se com o
nada, assustou-se! Quem é este que ousa enganar-me? E, num susto maior ainda,
observou que, ao longe, o humano ainda espreitava. E assim, o Diabo pulou, e
pulou, e pulou. E seu alvo deslocava-se tantas vezes quanto ele de lugar
mudava. Intrigado, parou e meditou. “O que acontece aqui?”, indagou-se, já que,
naquele mundo vazio, nada mais se via a perder de vista a não ser areia, sol e
desolação.
E, de repente, sussurrando-lhe ao
ouvido, surge um vulto que, mesmo para o Diabo, pareceu assustador.
- Tentou corromper-me, mas mostrou-se
incompetente - disse o andarilho.
Surpreso, o Diabo virou-se e deparou-se com o
mesmo a fitar-lhe profundamente os olhos.
- Com quem pensa que falas? - bradou
o Diabo, furioso.
- Com um tolo, que acredita que,
após tamanho infortúnio, ainda haveria alguma alma sobre esta terra capaz de
corromper-se por tão pouco! Por sinal, corromper-se!
E assim, o Maligno novamente
divagou. “Será que o tempo sem corromper qualquer alma o fez esquecer de seus
atributos encantadores?”.
Como que a ler seus pensamentos,
o andarilho respondeu-lhe:
- Para ser mandado para o
inferno, não preciso do Diabo, pois, como condutor, o homem foi mais eficiente!
Por fim, completou:
- Não precisamos mais de você, a
assombrar nossas mentes. O homem tornou-se tão eficiente em causar o mal que
não é mais necessário personifica-lo de forma tão caricata!
Ofendido, o Diabo fechou o
semblante. Mas, passados alguns instantes, não teve com não concordar com o andarilho.
“Teria ele se tornado obsoleto?”, pensou.
Mais uma vez, o desafortunado desafiante sentenciou:
- Pobre coitado! O sol prejudicou-lhe
o raciocínio! Volte para suas hostes! Elas precisam mais
de sua liderança do
que este mundo convertido em inferno pior que aquele seu reino!
E, cabisbaixo, o Diabo assimilou
a mensagem e desapareceu, envergonhado que estava de sua imaturidade. Quando o
homem quer fazer o mal, mesmo aquele que o personifica, torna-se apenas um
arremedo do que o homo sapiens pode
se tornar!
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