segunda-feira, 1 de julho de 2013

A Fábula da Degradação Humana

Brincando de contador de estórias:

A Fábula da Degradação Humana

Sentado a beira da estrada, em meio ao cenário estéril do deserto nuclear, estava o Diabo, a esperar qualquer alma penada que, não levada pelas agruras do holocausto bélico, vender-se-ia por migalhas quaisquer. Num mundo pós-apocalíptico, onde vivos não se diferenciam tanto cadáveres, não cabia ao Maligno seleções extremamente rigorosas daqueles potenciais alvos de sua cobiça infinita.  Passado longo tempo humano, mais de horas ou dias, o Diabo avista um corrompível em potencial. Diga-se de passagem, em tão deplorável estado que, mesmo diante de tamanha perversão que o caracteriza, o Diabo apiedou-se dele, por breve momento. Entretanto, recobrando sua lembrança malévola, o Maligno voltou a seu plano sinistro inicial: ceifar mais um espírito para suas hostes infernais, já abarrotada dos perdidos levados pela aguda guerra, antes de poderem arrepender-se de seus malfeitos em vida.

Vendo que sua vítima aproximava-se vagarosamente, o Diabo divagou sobre que forma tomar para, com beleza ou importância, seduzir o incauto andarilho. Pensou-se flor, mas, se o sofrimento houvesse endurecido o coração do desafortunado, de nada adiantaria. Imaginou-se, então, como bela senhora, mas, e se o andarilho não apreciasse tal complemento? Após divagar mais um pouquinho, o Diabo regozijou-se daquele que seria seu plano ideal: trajar-se-ia de fonte cristalina, reluzente ao sol escaldante, a cantar para o coitado, enfeitiçando-o a atirar-se em seu resplandecente espelho. Neste momento crucial, desfazer-se-ia, mostrando-se tal como é: o Maligno corrompedor de almas. Acreditando na secura em que se encontravam as entranhas de seu objeto de cobiça, não seria fácil trocar uma gota d’água por um espírito cansado e incapaz de contesta-lo. E assim o fez! Em bela e resplandecente poça se fez. Ao longe, nem precisaria transformar-se em lago ou fonte, tamanha, imaginava, ser a agrura de seu alvo.  

Contudo, o andarilho não se aproximava. Na verdade, parecia manter-se estático, após mostrar sua silhueta no horizonte, com aparência bruxuleante ao sol do meio-dia, escaldante, a evaporar os poucos líquidos do solo, ainda resquícios de chuvas que não mais caiam naquelas paradas.

E assim, o Diabo esperou, e esperou, e esperou. Quando, até mesmo para sua paciência eterna, considerada a métrica temporal dos seres humanos, ele se cansou! E se enfureceu! E resolveu averiguar como alguém resistiria à visão tão paradisíaca. E, de poça, assumiu sua forma sinistra, abriu suas asas de morcego e subiu. Em um rápido bater de asas, chegou ao local onde se encontrava o caminhante. E, ao deparar-se com o nada, assustou-se! Quem é este que ousa enganar-me? E, num susto maior ainda, observou que, ao longe, o humano ainda espreitava. E assim, o Diabo pulou, e pulou, e pulou. E seu alvo deslocava-se tantas vezes quanto ele de lugar mudava. Intrigado, parou e meditou. “O que acontece aqui?”, indagou-se, já que, naquele mundo vazio, nada mais se via a perder de vista a não ser areia, sol e desolação.

E, de repente, sussurrando-lhe ao ouvido, surge um vulto que, mesmo para o Diabo, pareceu assustador.

 - Tentou corromper-me, mas mostrou-se incompetente - disse o andarilho.

 Surpreso, o Diabo virou-se e deparou-se com o mesmo a fitar-lhe profundamente os olhos.

- Com quem pensa que falas? - bradou o Diabo, furioso.

- Com um tolo, que acredita que, após tamanho infortúnio, ainda haveria alguma alma sobre esta terra capaz de corromper-se por tão pouco! Por sinal, corromper-se!

E assim, o Maligno novamente divagou. “Será que o tempo sem corromper qualquer alma o fez esquecer de seus atributos encantadores?”.

Como que a ler seus pensamentos, o andarilho respondeu-lhe:

- Para ser mandado para o inferno, não preciso do Diabo, pois, como condutor, o homem foi mais eficiente!

Por fim, completou:

- Não precisamos mais de você, a assombrar nossas mentes. O homem tornou-se tão eficiente em causar o mal que não é mais necessário personifica-lo de forma tão caricata!
Ofendido, o Diabo fechou o semblante. Mas, passados alguns instantes, não teve com não concordar com o andarilho. “Teria ele se tornado obsoleto?”, pensou.  Mais uma vez, o desafortunado desafiante sentenciou:

- Pobre coitado! O sol prejudicou-lhe o raciocínio! Volte para suas hostes! Elas precisam mais 
de sua liderança do que este mundo convertido em inferno pior que aquele seu reino!


E, cabisbaixo, o Diabo assimilou a mensagem e desapareceu, envergonhado que estava de sua imaturidade. Quando o homem quer fazer o mal, mesmo aquele que o personifica, torna-se apenas um arremedo do que o homo sapiens pode se tornar! 

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