quarta-feira, 17 de julho de 2013

Reencontrando o passado de diversas maneiras

Hoje tirei minha tarde para curtir um dos lugares onde mais adorava passear quando criança, o Parque de Águas Minerais Salutaris, em Paraíba do Sul. Meu passeio do dia não seria esse, mas, como demorei muito para resolver a sair, preferi este lugar, que fica bem perto da casa dos meus pais (uma caminhada de menos de 10 minutos).




Como foi bom poder curtir o Parque totalmente recuperado. No meu caso, que gosto tanto de História, a recuperação de um dos espaços turísticos mais importantes de minha querida cidade natal me enche de orgulho.

Mas o dia não foi só  de curtir este local muito legal. Também consegui resgatar, depois de várias tentativas frustradas, a paciência que já havia perdido para desenhar. Acredito ser um caso de paciência, mesmo, pois a técnica você não perde, apenas deixa enferrujar. Foi muito  bom me permitir a liberdade de criação, sem a preocupação se a proporção estava correta, ou se o tempo que me consumiria seria elevado. Quer saber de uma coisa: nenhuma obra leva um único dia para ser concluída. Nada na vida, feito as pressas ou com desleixo, é capaz de traduzir a genialidade ou o amor empregado ali por seu criador.


Talvez este seja um dos ensinamentos destas férias: paciência! Ser paciente não é ser despreocupado com as consequências do que se faz. Ser paciente não é ‘entregar pra Deus’ e esperar que as coisas se resolvam. Ser paciente é esperar que a árvore dê frutos, mesmo que, para tanto, seja necessário rega-la por um longo tempo. É se dedicar a um filho integralmente, com o desejo que ele se torne uma boa pessoa no futuro. Ser paciente é dar hoje, com a esperança da possibilidade de se receber no futuro.

E paciência também enferruja se não a treinarmos, tal como as técnicas de desenho. Deixamos nosso mundo moderno, onde tudo deve ser instantâneo, absorver-nos toda a capacidade de esperar a maturação do que plantamos. Entramos em uma empresa, e queremos ser reconhecidos de forma financeira amanhã (esquecemos até do reconhecimento pessoal que é tão ou mais importante). Queremos que o outro nos entenda assim que colocamos nossos argumentos, mesmo não nos colocando no lugar deste e nem refletindo se o que dizemos, realmente, é uma verdade absoluta.

Perdemos a paciência com a vida. Graças a Deus, ela ainda é muito paciente conosco e nos espera amadurecer, mesmo que já sejamos adultos há muito.

PS: ainda vou terminar o desenho. Esse é apenas o esboço. Mas como é gostoso não ligar para a perfeição e deixar a criatividade fluir.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Um mochilão nas costas. O mundo é o meu quintal.


Em alguns momentos, a vida te impõe algumas mudanças de trajetória. Quase sempre contrariados, preferimos nos recolher e reclamar. Mas, por que não se entregar a vida, deixando-se levar por ela, permitindo-se estar ao sabor do que ela quiser mostrar-lhe, ensinar-lhe? Bem, tenho pensado muito nisso estes dias...

Como faço todos os anos, tiro uns dias das férias para matar as saudades, com mais calma, de papai, mamãe, irmãos e sobrinhos. Como estou em um período de transição, e acredito que, por mais que queira, minhas férias não serão mais aproveitadas da mesma forma que em anos anteriores, minha alma tem se mostrado inquieta,  numa luta, quase ininterrupta, entre ‘manutenção’ e ‘transformação’. Tenho sentido uma necessidade quase visceral de ver, absorver, processar, crescer. Mas, ao mesmo tempo, estou sendo bombardeado com pensamentos recorrentes de que preciso me isolar para meditar, mesmo que este isolamento equivalha ao estado, quase vegetativo, do autismo, sendo a forma como, desde que me entendo, lido com situações difíceis.

E aqui me encontro hoje, sentado numa bucólica pracinha no meu ‘Reino de Tão-Tão Distante’. Minha querida genitora, Paraíba do Sul. Mas estou diferente de outras vezes em que pra cá vim, também de férias. Quero explorar esta cidade que, por mais incrível que pareça, ainda me é ‘misteriosa’ em alguns pontos. Acho que posso extrapolar esta sensação para o resto de minha vida. Na verdade, tenho um mundo inteiro para descobrir e, este, infinitas lições para me ensinar. Fiquei tanto tempo olhando para o relógio esperando o tempo passar que nem me toquei que poderia estar me sentindo vivo, ao invés de me ver como escravo das minhas necessidades e dos confortos que tanto prezo.


Por muito tempo não quis sofrer e acreditava que colocar uma pedra sobre os problemas era a melhor solução para resolvê-los quando, no máximo, tornava-os maiores e absurdamente mais complexos do que se quisesse soluciona-los de imediato. Num estalo, descobri que tenho voz. E que está voz lateja em minha cabeça, explode em minha garganta e pulsa em meu coração. Ela quer sair, de mãos dadas com meus sonhos a descobrir todo este mundo que me cerca e que, bem lembrado por minha mãe, já me encantava desde tão muito jovem.

Um símbolo desta nova fase tem sido minha mochila. Virou minha companheira de umas semanas pra cá. Nela eu levo meu pequeno mundo. Tudo o que preciso para não me desconectar (carregador e fones), mas também um bom livro que esteja degustando naquele momento e meu computador, para que eu possa alimentar esse blog, que virou uma espécie de diário aberto. Por sinal, diário foi sempre uma coisa que não consegui manter. Pra que escrever se o único leitor será o próprio autor?


Voltando a história da mochila, espero comprar uma maior, pois pretendo que um espírito andarilho se apodere deste corpo que sempre admirou o mundo, mas nunca teve coragem de se atirar de cabeça nele. E, quer saber de uma coisa: é tudo do que preciso agora!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Um breve conto sobre aprender a levantar




Em um momento, tudo lhe havia sido tirado. Tudo! Ela não mais conviveria com presença dele que, por longos anos, simbolizou sua razão de ser. De quem cuidaria agora, pensava, se só para ele vivia.

E chorou. Muito. Copiosamente. Por vários dias. Até que não mais chorava a dor da perda. Suas lágrimas eram derramadas por que se condicionara a chorar ao pensar naquela situação. Mas, a medida que o coração começou a sarar, chorar passou a ser mais escasso, e atrelado a pequenas lembranças, aqui e ali, vinculadas a história deles.


Neste estágio, ela encontrou força, sei lá onde, em seu interior. Parecia uma leoa, decidida, dona de si. De repente, viu-se a resgatar sua vida, não a do casal, mas a própria, empoeirada em lembranças remotas, perdidas em algum canto obscuro de seu coração. E viu que teria algo de bom a aprender com aquilo tudo. E chorar, o que passou a ocorrer raramente, já não tinha mais aquela conotação de dor. A vida passou a ter outras nuances, outras cores. Viver se tornou um prazeroso exercício de descoberta e, aos poucos, tornou livre o seu coração.

Ponto de Inflexão

Tal como na Matemática, algumas vezes nos deparamos com estágios da nossa vida onde a mudança de rumo é inevitável. Se tudo está bem, uma correção para baixo. Se tudo vai mal, possibilidade de subir. Em Matemática, chamamos este comportamento da curva de Ponto de Inflexão. Na vida, bem, por que não usar o mesmo termo?

Tendemos a questionar, até mesmo recusar, estes momentos de mudança de rumos que nos acometem ao longo da existência. Na verdade, esta mudança visa a trazer-nos para uma salutar convergência para a média. Não podemos viver no auge nem na fossa para sempre! Vivemos em busca do equilíbrio.





Mas, quando perceber a inflexão? Aí está grande diferença entre a Ciência Matemática e a Matemática da vida. Enquanto a primeira tem como prever, por meio de equações, quando a curva terá mais chances de inverter sua tendência, a segunda não possui tais ferramentas. Quando a mudança vem em nossas vidas, apesar de alguns prévios sinais, sua previsibilidade é prejudicada por n-fatores, todos eles relacionados a nossa vida multidimensional. Em um gráfico 2D, afetado por duas variáveis, X e Y, tudo se resume a sua interação em uma equação de segundo grau.

Mas o principal da inflexão é, mais do que adaptar-se, aprender-se com a mudança repentina. É difícil aceitar-se passivamente que sua vida deve ser algo como uma montanha russa, sendo que você nunca sabe onde e quando acontecerão as quedas e subidas. Mas este comportamento é um erro, pois as mudanças virão, quer queira-se, quer não. Só nos resta, então, aceita-las e tê-las como uma aula que a vida nos dá de como aprender a nos reinventar. Esta é a beleza da vida: começar diferente a cada vez. Ter várias vidas em uma existência. Termos a consciência de que, nesta vida, grande palco que é, somos atores disponíveis para interpretar todas as personagens necessárias para nossa evolução nesta e em possíveis outras existências, além do fato de que somos conectados e transmitimos nossa experiência aos outros, tanto nos por meio dos genes, como em um livro de contos que escrevemos, numa conversa com os amigos, ou por meio de um blog que editemos.

E aí? Ainda vai encarar de forma reativa a mudança, maldizendo esta oportunidade? Ou agirá de forma proativa, mais do que se preparando para ela, mas querendo que a mesma aconteça, pois, é sabido, nossa vida sempre terá altos e baixos, concavidades e convexidades, nunca dor sem fim, nem glória eterna. O ponto de inflexão está aí para nos mostrar que nada nesta vida é certo e garantido. Até porque a vida assim não o quer. Precisamos estar cientes de que a mudança pode estar logo ali, mesmo que o ‘ali’ seja medido em dias, semanas, meses ou anos.


Are you ready?

sábado, 6 de julho de 2013

Consequentemente...

Acredito que um dos maiores desafios humanos está na aceitação das consequências de seus atos. Uma parte de nós até se esforça em, num lampejo de desapego ao ego, não só tomar, mas assumir seus atos. Entretanto, o mal lidar com os impactos de nossas ações e decisões é uma falha de nossa formação humana, visto que somos intolerantes a dor. Não que todas as consequências mereçam o limbo da não-paternidade, tal como o adulto que se torna bem sucedido pelo fato da ação de um ‘mecenas’ ter-lhe permitido alcançar tal grau na maioridade. Mas a dúvida em relação às consequências, que apenas surgirão no futuro (imediato ou remoto), pode acometer tanto as boas como as más ações (imagine a dúvida que atinge o ‘mecenas’, com a possibilidade de o “ajudado” tornar-se um bandido ao invés de um bom trabalhador).

Saber lidar com as consequências é, em resumo, saber lidar com a possibilidade de dor, mesmo que a dor de poder-se ter agido de forma diferente.

Também pode-se deduzir que, quanto menos o raciocínio estiver calcado no planejamento – que é, em resumo, pensar as ações com base nas consequências desejadas -, tanto mais dificuldade para lidar com as consequências terá o indivíduo. O planejamento falho, aquele que não conduz às consequências desejadas, desde que quem o implemente esteja equipado com as ferramentas analíticas necessárias, tentará entender onde a ação não conduziu ao resultado esperado, e cuidará de corrigi-la  em uma situação similar ou no caso de reinício do processo observado.

Mas, “esse papo de planejamento não implica em redução da espontaneidade”? Ou “isso não funciona pra gente de ‘carne e osso’, mas pra empresas e seus processos”? Bem, até pode ser, mas, pense: você não precisa conceber o planejamento de sua vida com um planejamento estratégico clássico, com visão, missão, objetivos e estratégias, mesmo sendo a vida, no fundo, o local mais importante para a implementação do planejamento para o indivíduo.

Não! Você também não é uma instituição que precisa se perpetuar (que é o grande motivo de se implantar planejamento estratégico nas empresas, visando direcionar a organização para garantir a perenidade dos negócios). Sabemos, ou melhor, estimamos, viver dentro da expectativa de vida que nos é informada pelos órgãos oficiais; em certo grau, até supera-la. Mas sabemos também, em nosso intimo, que por mais avançadas sejam as técnicas de prolongamento da existência (atuais ou calcadas na ficção científica), não iremos muito além dos 90 anos. Desta forma, devemos nos programar para que, nesta existência, possamos não apenas, desfrutar do conforto, do amor, do calor familiar, mas evoluir até o último segundo, para que o descanso eterno se dê com paz de espírito. Não sabemos o que nos espera do outro lado do túnel. Além da luz, o celestial ou o fim da existência? Por isso viva, seja feliz, sorria! Não espere a aposentadoria para realizar seus sonhos. Por sinal, não abra mão deles para agradar o outro. Não engavete planos. Chore quando precisar, não por preguiça de lutar. Tenha o coração leve para que a vida se mostre para você bela como ela é, sem as lentes distorcidas que nos permitimos usar para ofuscar a visão.

Por fim, não viva a esmo, ao sabor das ações alheias. Aí sim, as consequências serão imprevisíveis, quiçá indesejáveis. Nem mesmo a Deus devemos confiar nosso futuro. Vai que Ele não está em um bom dia?

Um grande beijo


Pensem por si próprios e não permitam a dúvida, se existe a quem consultar!

terça-feira, 2 de julho de 2013

Curto Conto de uma Vida Grandemente Desperdiçada




Do lado de fora da janela chovia. Não uma chuvinha fina. Chuva grossa. Pesada. Daquelas que te fazem não ter vontade de sair da cama. Mas essa não era sua realidade. Não era um direito seu. Pra quem tem que trocar oito horas diárias por dinheiro, esse escambo capitalista, aproveitar a cama, a não ser nas férias ou na convalescença, é algo proibido. Teve que levantar cedo, após a segunda chamada do despertador, e tomar uma ducha fria, apesar do fraco inverno, para ver se acordava. Tateava os móveis, ofuscada que estava sua pupila, a acomodar-se com a luz ambiente que crescia ao alvorecer que lentamente surgia. Foi a cozinha, pegou um copo d’água. Estava com muita sede. Lembrou dos remédios. Mais um copo d’água. Como era vagaroso de manhã! “Um copo de café”, clamavam seus neurônios, para que pudessem funcionar a contento. Realmente, sem estímulo, acordar parecia um martírio. Não fosse ter deixado as roupas separadas, acrescentaria mais meia hora, quarenta minutos, só no tira-e-põe de camisas, todas bonitas, mas não ‘adequadas’ para seu humor do dia. Volta a cozinha. Põe o café e a água na cafeteira, para que ela trabalhe em paralelo aos seus preparativos para a saída. Lava a pouca louça do jantar. Põe-na para escorrer. Remove o excesso de água sobre a bancada da pia. “Tenho que consertar este vazamento do bebedouro”, pensa brevemente, até ter sua atenção desviada para as plantas. “Nossa! Não molhei as plantas! Já estão todas mortas!”. E corre para pegar uma panela qualquer, enche-a na pia, e sai a molhar os vasos. “Cuidado pra não molhar demais as violetas, senão elas vão melar”, sussurra sua mãe em sua mente. E mesmo assim as acaba molhando em demasia. Olha-as fixamente por alguns instantes. Parecem eternos instantes! Lembra do conselho da mãe, da imagem das violetas quase sem vida, em cores opacas, a terra escura, entre as folhas maltratadas, denuncia que as molhou demais. “Não levo jeito para estas coisas”, vaticina. E olha no relógio. “Meu Deus! Como consegui perder tanto tempo?”. Sai correndo para arrumar a mochila. Recolhe tudo o que vai precisar, ou não, pelo caminho, e atira em seu interior. “Por isso suas mochilas não duram! Quer levar a casa nas costas, como um caramujo!”, briga consigo enquanto, desarvoradamente, tenta se lembrar de algo que ainda precisa fazer antes de sair. “Pense, pense, pense! Depois que deixar a portaria e pegar o ônibus, já era!”, tortura-se sadicamente, fazendo com que tão mais distante fique sua mente da objetividade necessária ao momento: lembrar o que precisa ser feito antes de sair de casa. “Pense, pense, pense!”. E olha novamente o relógio. “Ai, vou ficar um tempão no ponto! A esta hora, o trânsito já está parado e terei que pegar qualquer um que passe! Provavelmente ficarei de pé! Já vou chegar no trabalho cansado!”. Pega correndo as chaves. Elas tilintam freneticamente no caminho entre o aparador e a fechadura. Não mais que 30 centímetros. Gira a chave. Duas voltas rangidas e a porta se abre. O corredor acende-se automaticamente. Corre para o elevador. “Como demora! No mínimo um irresponsável chamou o social e o de serviço ao mesmo tempo!”. Inconscientemente, traveste-se de ‘irresponsável’ e chama os dois elevadores! Não percebe que transformou sua vida em uma rotina mecânica e degradante! É incapaz de ver o belo e chuvoso alvorecer de sua varanda, de consertar o bebedouro, de regar direito as plantas. Parece uma máquina ensandecida! Um monte de engrenagens, apenas. Incapazes de sensibilizar-se, um dia de cada vez, tão preocupado que está, de ser um nada!

segunda-feira, 1 de julho de 2013

A Fábula da Degradação Humana

Brincando de contador de estórias:

A Fábula da Degradação Humana

Sentado a beira da estrada, em meio ao cenário estéril do deserto nuclear, estava o Diabo, a esperar qualquer alma penada que, não levada pelas agruras do holocausto bélico, vender-se-ia por migalhas quaisquer. Num mundo pós-apocalíptico, onde vivos não se diferenciam tanto cadáveres, não cabia ao Maligno seleções extremamente rigorosas daqueles potenciais alvos de sua cobiça infinita.  Passado longo tempo humano, mais de horas ou dias, o Diabo avista um corrompível em potencial. Diga-se de passagem, em tão deplorável estado que, mesmo diante de tamanha perversão que o caracteriza, o Diabo apiedou-se dele, por breve momento. Entretanto, recobrando sua lembrança malévola, o Maligno voltou a seu plano sinistro inicial: ceifar mais um espírito para suas hostes infernais, já abarrotada dos perdidos levados pela aguda guerra, antes de poderem arrepender-se de seus malfeitos em vida.

Vendo que sua vítima aproximava-se vagarosamente, o Diabo divagou sobre que forma tomar para, com beleza ou importância, seduzir o incauto andarilho. Pensou-se flor, mas, se o sofrimento houvesse endurecido o coração do desafortunado, de nada adiantaria. Imaginou-se, então, como bela senhora, mas, e se o andarilho não apreciasse tal complemento? Após divagar mais um pouquinho, o Diabo regozijou-se daquele que seria seu plano ideal: trajar-se-ia de fonte cristalina, reluzente ao sol escaldante, a cantar para o coitado, enfeitiçando-o a atirar-se em seu resplandecente espelho. Neste momento crucial, desfazer-se-ia, mostrando-se tal como é: o Maligno corrompedor de almas. Acreditando na secura em que se encontravam as entranhas de seu objeto de cobiça, não seria fácil trocar uma gota d’água por um espírito cansado e incapaz de contesta-lo. E assim o fez! Em bela e resplandecente poça se fez. Ao longe, nem precisaria transformar-se em lago ou fonte, tamanha, imaginava, ser a agrura de seu alvo.  

Contudo, o andarilho não se aproximava. Na verdade, parecia manter-se estático, após mostrar sua silhueta no horizonte, com aparência bruxuleante ao sol do meio-dia, escaldante, a evaporar os poucos líquidos do solo, ainda resquícios de chuvas que não mais caiam naquelas paradas.

E assim, o Diabo esperou, e esperou, e esperou. Quando, até mesmo para sua paciência eterna, considerada a métrica temporal dos seres humanos, ele se cansou! E se enfureceu! E resolveu averiguar como alguém resistiria à visão tão paradisíaca. E, de poça, assumiu sua forma sinistra, abriu suas asas de morcego e subiu. Em um rápido bater de asas, chegou ao local onde se encontrava o caminhante. E, ao deparar-se com o nada, assustou-se! Quem é este que ousa enganar-me? E, num susto maior ainda, observou que, ao longe, o humano ainda espreitava. E assim, o Diabo pulou, e pulou, e pulou. E seu alvo deslocava-se tantas vezes quanto ele de lugar mudava. Intrigado, parou e meditou. “O que acontece aqui?”, indagou-se, já que, naquele mundo vazio, nada mais se via a perder de vista a não ser areia, sol e desolação.

E, de repente, sussurrando-lhe ao ouvido, surge um vulto que, mesmo para o Diabo, pareceu assustador.

 - Tentou corromper-me, mas mostrou-se incompetente - disse o andarilho.

 Surpreso, o Diabo virou-se e deparou-se com o mesmo a fitar-lhe profundamente os olhos.

- Com quem pensa que falas? - bradou o Diabo, furioso.

- Com um tolo, que acredita que, após tamanho infortúnio, ainda haveria alguma alma sobre esta terra capaz de corromper-se por tão pouco! Por sinal, corromper-se!

E assim, o Maligno novamente divagou. “Será que o tempo sem corromper qualquer alma o fez esquecer de seus atributos encantadores?”.

Como que a ler seus pensamentos, o andarilho respondeu-lhe:

- Para ser mandado para o inferno, não preciso do Diabo, pois, como condutor, o homem foi mais eficiente!

Por fim, completou:

- Não precisamos mais de você, a assombrar nossas mentes. O homem tornou-se tão eficiente em causar o mal que não é mais necessário personifica-lo de forma tão caricata!
Ofendido, o Diabo fechou o semblante. Mas, passados alguns instantes, não teve com não concordar com o andarilho. “Teria ele se tornado obsoleto?”, pensou.  Mais uma vez, o desafortunado desafiante sentenciou:

- Pobre coitado! O sol prejudicou-lhe o raciocínio! Volte para suas hostes! Elas precisam mais 
de sua liderança do que este mundo convertido em inferno pior que aquele seu reino!


E, cabisbaixo, o Diabo assimilou a mensagem e desapareceu, envergonhado que estava de sua imaturidade. Quando o homem quer fazer o mal, mesmo aquele que o personifica, torna-se apenas um arremedo do que o homo sapiens pode se tornar!